Horário de verão: a polêmica continua
O horário de verão voltou ao debate, depois que o governo anunciou que estudava sua volta para, logo em seguida, anunciar que o estudo fora adiado para 2025.
A medida, que adianta os relógios em uma hora, era adotada anualmente em partes do Brasil para diminuir o consumo de energia pelo melhor aproveitamento da luz natural, mas foi extinta em 2019, durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL).
À época, o governo argumentou que a economia de energia produzida era pouco significativa e não justificava a mudança.
Em declarações recentes, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, tem defendido a volta do horário de verão, argumentando que a medida cumpre dois objetivos importantes na gestão do sistema elétrico: garantir a segurança energética e a modicidade tarifária – isto é, que a conta de luz tenha preço justo.
"Todos os dados de pesquisas anteriores são positivos, fomenta a economia em diversos setores do Brasil, como turismo, bares, restaurantes e muitos outros segmentos. Ele também é importante para diminuir o despacho de termelétricas no horário de ponta", disse Silveira em entrevista coletiva.
Segundo o ministro, a medida precisa ser estudada, porque impacta a vida das pessoas. E também depende de uma decisão política do governo.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Operador Nacional do Sistema (ONS) devem apresentar nos próximos dias um estudo sobre o horário de verão nas atuais circunstâncias. A decisão final caberá a Lula.
História do horário de verão no Brasil
O horário de verão foi instituído pela primeira vez no Brasil em 1931, durante o governo de Getúlio Vargas.
"A prática dessa medida, já universal, traz grandes benefícios ao público, em consequência da natural economia de luz artificial", dizia o texto do decreto assinado por Vargas, datado de 1º de outubro daquele ano.
A medida foi repetida em anos seguintes, sem regularidade. A partir de 1985 — ano que foi marcado por uma seca histórica, que resultou em blecautes e racionamento de água —, o horário diferenciado passou a ser adotado anualmente, com duração e abrangência territorial definidas por decretos presidenciais.
Em 2008, um decreto tornou o horário de verão permanente, vigorando do terceiro domingo de outubro até o terceiro domingo de fevereiro do ano seguinte.
Até que, em abril de 2019, o então presidente Jair Bolsonaro também por decreto extinguiu a prática.
"O horário de pico hoje é às 15 horas e [o horário de verão] não economizava mais energia. Na saúde, mesmo sendo só uma hora, mexia com o relógio biológico das pessoas", argumentou Bolsonaro, à época.
Mas quais são as vantagens e as desvantagens da mudança de horário? Listamos alguns dos argumentos citados pelos lados contra e a favor da medida.
Argumentos a favor
Economia de energia
Com o adiantamento dos relógios em uma hora, as regiões que adotam o horário de verão ganham uma hora a mais de luminosidade no fim da tarde, adiando o acionamento de lâmpadas e eletrodomésticos na volta do trabalho para casa.
Historicamente, a economia com a medida era de cerca de 4% a 5% da demanda no horário de pico.
Ao extinguir o horário de verão em 2019, porém, o governo Bolsonaro argumentava, com base em dados do ONS, que o pico de demanda no verão mudou ao longo dos anos, do fim da tarde, para o meio dela, devido ao acionamento dos aparelhos de ar-condicionado nas empresas.
Nesse cenário, a economia esperada com o horário de verão seria da ordem de 0,5% a 0,7%, mas especialistas do setor elétrico argumentam que qualquer economia é bem-vinda diante da grave seca atual e da perspectiva de rápida redução do nível dos reservatórios hidrelétricos.
"A economia de energia é sempre pouca, mas como há pouca água, qualquer economia é importante", diz Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel.
Nivalde de Castro, professor do Instituto de Economia e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), observa ainda que o setor elétrico brasileiro mudou desde 2019, com maior participação das fontes eólica e solar na matriz energética.
Essas fontes, que geram mais durante o dia, podem ser mais bem aproveitadas com a adoção do horário de verão, diz o especialista, reduzindo a necessidade de acionamento das térmicas, que produzem energia mais cara e poluente.
"Essas duas fontes [eólica e solar] operam de maneira muito característica: venta muito de manhã e faz muito sol à tarde. Por conta disso, o sentido do horário de verão mudou radicalmente, porque hoje ele se faz necessário para que se aproveite ao máximo essas fontes", diz Castro.
"Se antes a mudança de horário era para diminuir o consumo no pico do fim da tarde, hoje ele serviria para usar ao máximo a energia eólica e solar, preservando a água dos reservatórios. A explicação técnica é essa."
Edvaldo Santana observa ainda que o atual nível dos reservatórios hidrelétricos – acima de 50% em todas as regiões do país – ainda é confortável.
O problema, diz o ex-diretor da Aneel, é que eles estão esvaziando cerca de 8 pontos percentuais ao mês. Assim, até o início da temporada de chuvas na região Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, onde está a maior parte dos reservatórios de hidrelétricas do país (cerca de 70% do total), esses reservatórios podem chegar a 30% ou abaixo disso, um nível já considerado perigoso.
"É por isso que todo esforço está sendo feito para não deixar os reservatórios, que estão numa situação ainda boa, se esvaziarem", diz Santana.
Além da possível volta do horário de verão, a Aneel acionou em setembro, pela primeira vez desde 2021, a bandeira vermelha nas contas de energia, uma forma de indicar aos consumidores através do preço que o consumo deve ser reduzido.
O ONS também poderá fazer, já neste ano, leilões para contratar reduções temporárias de consumo de energia por parte de grandes indústrias. Neste modelo, o governo busca incentivar grandes consumidores industriais a reduzir temporariamente seu consumo nos horários de pico, em troca de uma remuneração.
Mais vendas no varejo e nos bares
Uma segunda vantagem do horário de verão é o estímulo às vendas do comércio e dos bares, resultado da hora a mais de luminosidade.
"O tempo de luz natural a mais no começo da noite faz com que as ruas fiquem mais atrativas, trazendo vigor para o comércio. O movimento nos bares e restaurantes também cresce", diz Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).
"Por isso, estimamos um aumento de até 15% no faturamento com a mudança dos relógios, de forma que temos mais recursos circulando na economia, mais geração de empregos e a sociedade como um todo sai ganhando”, argumenta.
A Abrasel enviou na segunda-feira (16/9) uma carta ao ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, com argumentos favoráveis à volta do horário de verão.
Entre os argumentos, a Abrasel citou pesquisa realizada pela associação em parceria com o site Reclame Aqui, que apontou que 54,9% das pessoas que responderam são favoráveis ao retorno do horário de verão no Brasil em 2024.
Para 16,9% a mudança é indiferente. Outros 28% se disseram contrários.
A pesquisa ouviu 3 mil pessoas e tem margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.
Segurança nas ruas
Um terceiro argumento em favor do horário de verão é a segurança.
"A evidência empírica sugere que uma hora a mais de luminosidade reduz homicídios, roubos e acidentes de trânsito", disse Claudio Frischtak, sócio da consultoria Inter.B e especialista em infraestrutura, que publicou em 2019 um artigo sobre o tema em coautoria com Miguel Foguel e Renata Canini.
Estudo de 2016, realizado por pesquisadores da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), por exemplo, analisou dados de ocorrência de acidentes rodoviários entre 2007 e 2013. Segundo o estudo, nos Estados em que o horário de verão era adotado, houve redução de 10% dos acidentes em rodovias federais.
"Os testes revelaram que a realocação do horário de atuação da luminosidade durante o dia contribui consideravelmente na redução de acidentes em rodovias federais", concluíram os pesquisadores.
"O impacto de transição para o horário de verão afeta o comportamento de direção dos motoristas em rodovias federais, principalmente ao entardecer."
Exercícios físicos e uso do espaço público
Por fim, um último argumento daqueles que defendem o horário de verão é a possibilidade de fazer exercícios físicos ao fim da tarde e melhor aproveitar o espaço público.
O argumento foi usado até por Luciano Hang, dono das lojas Havan e apoiador de Bolsonaro, mas defensor da volta do horário de verão. - "Com o dia mais longo, as pessoas vivem melhor, vão às praias, praticam exercícios e têm mais qualidade de vida", disse Hang em 2021, quando aderiu a um movimento de empresários pela volta do horário de verão.
Argumentos contrários
Dificuldade de adaptação
O principal argumento dos contrários à volta do horário de verão é que a adaptação é difícil e a mudança mexe com o relógio biológico.
Um estudo de pesquisadores brasileiros publicado em 2017 na revista Annals of Human Biology, com mais de 12 mil participantes, mostrou que menos da metade (45,43%) diziam não sentir nenhum desconforto com a mudança de horário.
E cerca de 25% diziam permanecer desconfortáveis durante todo o período de mudança de horário.
A dificuldade de adaptação tem razões biológicas: a alteração do horário mexe com a produção de hormônios como a melatonina e o cortisol, responsáveis respectivamente por dar sono e despertar o corpo.
A mudança também é mais penosa para adolescentes, que têm dificuldade de acordar cedo para aulas matinais, e para crianças pequenas, que têm necessidade de longas horas de sono e costumam ser sensíveis a mudanças de luminosidade.
Mudanças no ciclo agropecuário
Uma segunda desvantagem do horário de verão, segundo os contrários à medida, é que ele afeta o setor agropecuário.
O gado bovino, por exemplo, é sensível à mudança de horário das fazendas, que pode inclusive afetar a produtividade leiteira.
"Os bovinos são animais de hábito, todos os dias eles se alimentam num mesmo horário, são animais de rotina. Se os horários mudam repentinamente, isso causa um estresse no animal. No caso da vaca de lactação, pode inclusive diminuir o leite", disse José Carlos Ribeiro, da Boi Saúde, consultoria especializada em saúde bovina, em entrevista à BBC News Brasil em 2021.
Mas há quem trabalhe no campo e não se importe com a mudança.
"As empresas trocam o horário, em vez de pegar às 7h, pega às 8h para a colheita da soja, então não prejudica em nada, eu acho que é bom", disse Antônio Rodrigues da Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Assalariados Rurais de Sapezal (MT), também em entrevista naquele ano.
Horários diferentes Brasil afora
Uma terceira desvantagem é a maior dessincronia entre os horários Brasil afora.
O Brasil é um país tão grande que tem quatro fusos horários: o de Brasília, que abrange a totalidade das regiões Nordeste, Sudeste e Sul, além dos Estados do Pará, Amapá, Tocantins, Goiás e o Distrito Federal; o de Fernando de Noronha (uma hora à frente de Brasília); o do Amazonas, Roraima, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (uma hora atrás de Brasília); e o do Acre e oeste do Amazonas (duas horas atrás de Brasília).
No horário de verão, Norte e Nordeste não adotam a mudança, que não faz diferença nessas regiões devido à proximidade delas com o Equador.
Assim, no horário especial, Roraima, Rondônia e Amazonas passam a ter duas horas de diferença em relação a Brasília e o Acre, três horas.
Isso dificulta, por exemplo, a realização de eventos nacionais, a tal ponto que, em 2018, o horário de verão foi mais curto, devido às eleições.
A pedido do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, o horário de verão naquele ano começou somente em novembro, para evitar atrasos na apuração dos votos e na divulgação dos resultados.