O significado simbólico do movimento “Correct the map”
A União Africana, uma organização que reúne todos os países africanos, aderiu, recentemente, a uma campanha para que se deixe de utilizar a projeção de Mercator nos mapas-múndi.
A campanha apoia o movimento “Correct the Map”, que defende a necessidade de se repensar a forma como o mundo é representado em mapas escolares, políticos e culturais. A iniciativa parte da constatação de que a projeção de Mercator, amplamente utilizada há séculos, não é neutra: ela distorce o tamanho real dos continentes e privilegia, visualmente, as regiões do norte global, enquanto minimiza a dimensão territorial de países e continentes do sul, em especial a África.
A projeção de Mercator foi criada em 1569 pelo cartógrafo flamengo Gerardus Mercator. Seu objetivo inicial não era educacional, mas prático: facilitar a navegação marítima durante a era das grandes navegações. Esse tipo de projeção preserva os ângulos e as direções, permitindo que rotas de navegação sejam traçadas em linha reta sobre o mapa. Foi a solução que Mercator encontrou para um problema matemático: representar em uma superfície plana um planeta esférico. No entanto, para manter essa propriedade, sacrifica-se a proporção entre os tamanhos reais dos continentes. Por isso, todos os mapas da superfície terrestre são necessariamente distorcidos. Assim, conforme a técnica utilizada na criação desses mapas, o tamanho, a forma e a localização dos continentes mudam, num processo conhecido como anamorfose.
Os mapas-múndi que seguem a projeção de Mercator são usados mundialmente não apenas em mapas físicos, mas também em aplicativos como o Google Maps, e acabam por mais moldar nossa imagem mental do planeta.
O efeito dessa distorção é notório: regiões próximas aos polos aparecem enormemente ampliadas, enquanto áreas próximas ao Equador parecem reduzidas. E essa representação não é apenas um detalhe técnico: ela possui um impacto simbólico e político profundo. Ao encolher a África e outros países do chamado “sul global”, a projeção reforça uma visão eurocêntrica do mundo, transmitindo a ideia de que a Europa e a América do Norte seriam mais “centrais” e mais “importantes” do que de fato são em termos geográficos.
O movimento “Correct the Map” propõe que instituições de ensino e órgãos oficiais adotem projeções mais fiéis às proporções reais da Terra. Entre as alternativas, destaca-se a projeção de Gall-Peters, apresentada em 1855, que busca representar as áreas dos continentes de forma proporcional às suas dimensões reais. Embora essa projeção deforme as formas dos territórios, alongando-os verticalmente, ela devolve a África e a América Latina à sua verdadeira grandeza espacial.
Para a União Africana, essa mudança vai além de uma correção técnica: trata-se de um ato de afirmação cultural e política. Recolocar a África em sua proporção correta nos mapas significa também valorizar sua centralidade histórica, sua vastidão territorial e sua relevância estratégica no mundo contemporâneo. O movimento denuncia que a geografia não é apenas ciência, mas também narrativa, e que narrativas distorcidas podem contribuir para a manutenção de relações desiguais de poder.
A campanha também busca conscientizar professores, estudantes e a sociedade em geral sobre o impacto que representações visuais têm na construção do imaginário coletivo. Um estudante africano, ao olhar o mapa de Mercator, pode inconscientemente internalizar a ideia de que seu continente é “menor” ou “menos relevante” do que realmente é. Por isso, corrigir o mapa é também corrigir a forma como as novas gerações enxergam o mundo e seu lugar nele.
Assim, a discussão levantada pelo movimento “Correct the Map” não é apenas geográfica, mas filosófica e política. Ela questiona a forma como a história da cartografia serviu interesses coloniais e como a ciência pode ser usada para reproduzir ou para contestar desigualdades.