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A desextinção do lobo terrível

11/04/2025
Um prodígio da ciência ou uma aventura perigosa?


O lobo terrível (Aenocyon dirus), uma das criaturas mais icônicas da megafauna pré-histórica da América do Norte, há muito habita o imaginário popular. Imortalizado na cultura pop por séries como Game of Thrones — ainda que ali sua imagem seja mais fantasiosa — o verdadeiro lobo terrível desapareceu há cerca de 10 mil anos, no final da última Era do Gelo. No entanto, avanços recentes na biotecnologia e genética têm levantado a possibilidade de sua "ressurreição", em um processo conhecido como desextinção, que ganhou relevância com o anúncio recente de que três lobinhos haviam sido recriados por uma empresa americana.

A empresa, Colossal Biosciences, apresentou três filhotes semelhantes a lobos, que chamou de "primeiros animais desextintos do mundo".

O que é desextinção
A desextinção é um campo emergente que combina biotecnologia, edição genética e biologia sintética para tentar trazer de volta espécies extintas. 

A estratégia adotada por cientistas interessados nessa empreitada envolve comparar fragmentos de DNA extraídos de fósseis com os genomas de espécies vivas aparentadas - como os cães e lobos modernos - para tentar recriar um genoma funcional. Uma vez obtido esse genoma sintético, ele poderia ser inserido em células reprodutivas de uma espécie hospedeira, e gestado por uma fêmea compatível.

No caso do lobo terrível, a empresa responsável pelo projeto informou haver coletado amostras de DNA do lobo-terrível, extraindo o material genético - de um dente de 13 mil anos encontrado em Ohio, nos Estados Unidos, e de um pedaço de crânio de 72 mil anos escavado em Idaho, também nos Estados Unidos.

A partir desse material foi feito o sequenciamento dos genes do lobo-terrível e empreendida a busca por uma espécie viva que ainda preserve algum grau de parentesco com o animal extinto. A busca levou ao lobo-cinzento, que habita em regiões mais frias do hemisfério norte, como Rússia e Canadá.

Os pesquisadores então coletaram material do lobo cinzento e através de técnicas avançadas editaram esses genes de forma a torná-los os mais semelhantes possíveis aos encontrados nos fósseis do lobo-terrível. Depois implantaram tais genes num óvulo, que foi cultivado para se tornar um embrião e a seguir ser implantado no útero de uma cadela doméstica, que deu à luz os três filhotinhos, chamados de Rômulo, Remo e Khaleesi.

Os animais estão em uma reserva privada nos Estados Unidos, sem previsão de que sejam soltos na natureza ou usados para procriação.

O feito da empesa foi contestado por alguns cientistas que afirmam que os filhotinhos não são, na verdade, lobos-terríveis, mas sim lobos cinzentos modificados.

Limites éticos e científicos
A proposta de reviver o lobo terrível levanta diversas questões. Em primeiro lugar, há o problema ecológico: o mundo atual é muito diferente daquele que o lobo terrível habitava. Não existem mais as mesmas presas, os mesmos climas, nem os mesmos nichos ecológicos. Onde esse animal viveria? O que comeria? Como impactaria os ecossistemas atuais?

Há também o debate ético sobre o sofrimento animal. Clonar espécies extintas implica em altos índices de falhas, deformidades e abortos. Além disso, o animal recriado seria realmente um Aenocyon dirus, ou apenas uma réplica genética próxima? Estaríamos criando uma “quimera”, uma nova espécie baseada em uma antiga?

A ciência como ferramenta de reconstrução ou reflexão?
O projeto de desextinção do lobo terrível ainda está em estágios iniciais, mais especulativos do que práticos. No entanto, ele serve como um caso fascinante para refletirmos sobre o poder da biotecnologia e seus limites. Se por um lado demonstra a incrível capacidade humana de manipular a vida, por outro nos convida a considerar com mais cuidado as consequências dessas ações.

Reviver o lobo terrível pode ser uma façanha científica memorável, mas talvez mais importante seja aprender com sua extinção - e garantir que os predadores e ecossistemas atuais não tenham o mesmo destino.

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