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Revolução cubana: 50 anos depois

Monumento cubano a Che Guevara com uma das famosas frases do guerrilheiro: "Hasta la Victoria, siempre" (Até a vitória, sempre).
Janeiro de 2009 marcou os 50 anos de um fato que alterou profundamente o panorama político da América Latina: a Revolução Cubana. Ela não merece destaque apenas por ser a única revolução que se manteve no poder durante meio século, mas também por ter sido a única a implantar o socialismo num país latino-americano. Segundo historiadores como Eric Hobsbawn, a revolução cubana apresenta todos os elementos de uma grande história de aventuras: fugas, esconderijos na selva e, finalmente, uma marcha vitoriosa sobre a capital.
Como ficção, seria um roteiro envolvente, como evento real, é uma história extraordinária. Vamos acompanhar esta trajetória e entender por que, depois de cinquenta anos, os olhos do mundo voltavam-se, mais uma vez, para Cuba.
Cuba livre?

Castelo do Morro, um dos vestígios da presença espanhola em Cuba. Grande parte da capital, Havana, ainda conserva a antiga arquitetura colonial espanhola.
Como a maior parte dos países da América, Cuba foi colonizada, no século XVI, pelos espanhóis. Entretanto, diferentemente da maioria das colônias espanholas, que utilizavam a mão de obra indígena, em Cuba foi implantada a chamada economia de plantation: latifúndio, agroexportador, escravocrata e monocultor. Assim, o açúcar tornou-se a maior riqueza da ilha, cultivada por mãos escravas africanas.
A abolição aconteceu apenas em 1886, dois anos antes de chegar ao Brasil, último país a libertar os escravos. A independência da Espanha chegou ainda mais tarde, em 1898. Embora existissem movimentos de emancipação locais desde 1868, apenas com o apoio dos Estados Unidos e com sua interferência direta entre Cuba e Espanha, a independência foi conseguida. Nesse caso, podemos dizer que houve uma independência relativa. A Espanha não tinha mais nenhum poder sobre Cuba, mas, devido ao seu apoio, os Estados Unidos eram, agora, muito mais que um aliado político, pois interferiam diretamente na política e na economia locais.
Longe da Espanha, perto dos Estados Unidos

Para formalizar o domínio norte-americano, em 1901 foi incluída na Constituição Cubana a chamada emenda Platt, que garantia aos Estados Unidos o poder de interferir militarmente na ilha, se considerasse que os interesses nacionais estavam ameaçados. Na prática, a emenda colocou Cuba como protetorado norte-americano, limitando a liberdade política e administrativa do novo governo republicano. Em 1933, com a ascensão de Fulgêncio Batista ao poder por meio de um golpe militar, o status de protetorado é extinto.
Batista instalou uma ditadura que durou até 1959, ano em que a Revolução Cubana derrubou o estado e inaugurou uma nova era. Durante os anos de governo Batista, Cuba foi mergulhada numa enorme rede de corrupção. Não podemos esquecer que grande parte da população vivia no campo, já que a maior riqueza da ilha continuava a ser, desde os tempos da colônia, o açúcar.
O Estado não investia em saúde e educação. Grande parte dos investimentos particulares pertencia a empresários norte-americanos, que investiam, sobretudo, em terras e cassinos. À medida que aumentavam a miséria e a desigualdade social, começaram também a surgir os movimentos de resistência, tanto à interferência dos Estados Unidos quanto à ditadura de Fulgêncio Batista.
Batista instalou uma ditadura que durou até 1959, ano em que a Revolução Cubana derrubou o estado e inaugurou uma nova era. Durante os anos de governo Batista, Cuba foi mergulhada numa enorme rede de corrupção. Não podemos esquecer que grande parte da população vivia no campo, já que a maior riqueza da ilha continuava a ser, desde os tempos da colônia, o açúcar.
O Estado não investia em saúde e educação. Grande parte dos investimentos particulares pertencia a empresários norte-americanos, que investiam, sobretudo, em terras e cassinos. À medida que aumentavam a miséria e a desigualdade social, começaram também a surgir os movimentos de resistência, tanto à interferência dos Estados Unidos quanto à ditadura de Fulgêncio Batista.
A Revolução a caminho

Os discursos de Fidel consolidaram sua fama de excelente orador.
Inicialmente, as primeiras manifestações contra a ditadura partiram dos estudantes, cujos protestos foram violentamente reprimidos. E é do meio estudantil, universitário, que se destaca Fidel Alejandro Castro Ruiz, ou simplesmente, Fidel Castro.
Militante do movimento estudantil, o jovem Fidel graduou-se em direito, pela Universidade de Havana. Depois de formado, dedicou-se a defender causas trabalhistas e opositores do governo de Fulgêncio Batista. Os protestos de Fidel excederam a prática de seu ofício e em 1953, aliado aliado a outros jovens revolucionários, atacou o quartel de Moncada. Embora tenha fracassado, o ataque a Moncada marca o início do movimento revolucionário cubano. Fidel foi preso e condenado a 15 anos de prisão, mas seu carisma e seus contatos, especialmente dentro da igreja católica, fizeram com que sua pena fosse anistiada. Seu julgamento entrou para a história cubana e seu discurso ? ele havia escolhido realizar sua própria defesa no tribunal ? ficou conhecido como o documento A História me Absolverá, no qual condenava a opressão e a tirania das ditaduras latinas e, é claro, o governo de Batista. Mesmo liberto, Fidel acaba sendo obrigado a partir para o exílio, no México, onde continua organizando a resistência.
A Revolução a caminho

A foto do guerrilheiro Che Guevara, que acabou
se tornando um ícone pop, sendo reproduzido em todo tipo de material, de bonés a camisetas.
Em 1954 Fidel funda, junto com seu irmão, Raúl, o movimento revolucionário 26 de julho (data do ataque ao quartel de Moncada). Foi no México que um outro revolucionário se juntaria à causa cubana e mudaria os rumos da história: Che Guevara. Embora tivesse simpatias pelo socialismo, Fidel nunca havia sido, até então, um militante socialista. Esse não era o caso de Che, nascido na Argentina, formado em medicina e desde muito cedo atento às causas sociais. Ávido leitor de Lênin e Marx, Che era um socialista convicto. Conheceu Raul castro, que o apresentou a seu irmão, Fidel. O carisma e a paixão de Fidel pela causa contagiaram Che, que aderiu ao movimento e planejou a volta a Cuba.
O retorno aconteceu em 1956, quando 82 revolucionários desembarcaram numa praia cubana, com armas e mantimentos. Interceptados pelo exército, foram violentamente atacados e apenas 22 sobreviveram. Os sobreviventes fugiram para a serra e deram inicio à chamada guerra de guerrilhas.
A Revolução a caminho
Contando com o apoio dos camponeses, Fidel, Che e os demais líderes da revolução passaram a organizar-se com disciplina militar. Os camponeses avisavam da presença do exército quando este perseguia o acampamento dos revolucionários, dando tempo para que as fugas fossem organizadas. As notícias da resistência se espalhavam e, em pouco tempo, milhares de pessoas (em sua maioria, jovens, estudantes e intelectuais) se juntaram à causa.Embora em Havana o governo de Batista alardeasse que o movimento fora sufocado, a realidade no interior era bem diferente. Entre perdas e vitórias, os revolucionários conseguiam pouco a pouco afastar o exército e conquistar novos territórios. Em dois anos o Movimento havia se fortalecido o bastante e, contando agora com o apoio da maioria da população, em 1959, Fidel e seu "exército" tomam Havana.
Grande parte dos estrangeiros e da elite local havia fugido para os Estados Unidos, país que também acolheu o presidente Fulgêncio Batista, falecido em 1973, na Espanha, sem ter retornado a Cuba. Começava uma nova história para Cuba.
O pós revolução e a Guerra fria
Após tomar o poder, a primeira preocupação de Fidel Castro foi reorganizar a economia e a política locais. O maior importador do açúcar cubano eram os Estados Unidos, que haviam apoiado Fulgêncio Batista desde o início das hostilidades. Incapaz de conseguir negociar um acordo, visto que nem o governo norte-americano nem o novo governo cubano estavam dispostos a ceder, foi estabelecido o embargo econômico.Vamos entender o embargo e seu contexto:
Em 1959 o mundo estava sob a chamada ordem bipolar, também conhecida como Guerra Fria. Estava, portanto, entre duas grandes zonas de influência: uma, capitalista, liderada pelos Estados Unidos e a outra, socialista, liderada pela URSS. Quando Fidel assume o poder, implementa uma série de medidas muito próximas da prática socialista como, por exemplo, a reforma agrária. Isso desagrada à política de Washington, que dá um ultimato: ou o novo governo desiste das reformas radicais ou os Estados Unidos deixariam de ser parceiros econômicos de Cuba.
Diante da negativa de Fidel, é estabelecido o embargo econômico, que previa que os Estados Unidos não comprariam ou venderiam nada para Cuba. Como estes eram tempos de , nenhum país que estivesse interessado em se manter como aliado norte-americano poderia, portanto, manter relações comerciais com Cuba. Ou seja, essa política causou um enorme isolamento do país, que, além de ter uma economia agrária, não tinha nenhuma estrutura industrial com a qual pudesse se sustentar.
O pós revolução e a Guerra fria

Outdoor com dizeres revolucionários.
Toda a capital, Havana, é coberta por cartazes como esse,
estimulando o orgulho cubano pela revolução.
O apoio veio da União Soviética, já que o embargo norte-americano não a afetava, pois ela não mantinha nenhuma relação econômica com os Estados Unidos. A atraente proposta soviética - comprar o açúcar cubano e, em troca, vender petróleo a preços baixíssimos para a Ilha - tinha uma única "condição": a adesão de Cuba ao regime socialista.
Dessa forma, Cuba torna-se, em 1961, o único país socialista da América Latina.
A adesão de Cuba ao socialismo aumentou as hostilidades ente EUA e URSS. A situação piorou ainda mais com a chamada crise dos mísseis, em 1962, quando a URSS instala uma base de mísseis em solo cubano.
A proximidade da base soviética do território norte-americano - Cuba fica a apenas 160km da Flórida - criou um clima de tensão tão grande que, ao avaliarmos esse momento da história recente, podemos dizer que ele foi o que mais se aproximou de um terceiro conflito mundial de proporções catastróficas já que ambos os países possuem armas nucleares.
A proximidade da base soviética do território norte-americano - Cuba fica a apenas 160km da Flórida - criou um clima de tensão tão grande que, ao avaliarmos esse momento da história recente, podemos dizer que ele foi o que mais se aproximou de um terceiro conflito mundial de proporções catastróficas já que ambos os países possuem armas nucleares.
Durante 13 dias, intensas negociações aconteceram entre Estados Unidos e União Soviética até que, temendo a eclosão de um conflito sem precedentes poucos anos depois da Segunda Guerra Mundial, o primeiro ministro soviético, Nikita Kruchev retrocede e retira a base militar de Cuba.


Fotos de satélite da base soviética em Cuba, 1962.
O fim da URSS e das alianças

Varadero, um dos mais famosos pontos turísticos cubanos.
A crise dos mísseis demonstrou claramente a aliança entre Cuba e URSS, não só do ponto de vista econômico, mas também do ponto de vista militar. Em 1991, com o fim da URSS, ocorreria uma nova mudança na geopolítica mundial, e Cuba, mais uma vez, deveria se adaptar aos novos tempos. Sem o seu principal aliado mundial, era necessário rever toda a política administrativa da ilha, bem como procurar novos parceiros econômicos.
Assim, pela primeira vez em décadas, Cuba abre suas portas para o turismo, que constitui, atualmente, uma de suas maiores fontes de renda. Com o fim da URSS, acaba também a Guerra Fria e o embargo econômico, embora ainda vigore, não tem mais a força de seus primeiros anos, o que permite a Fidel Castro firmar novas parcerias, em especial, com a França e o Japão.
Assim, pela primeira vez em décadas, Cuba abre suas portas para o turismo, que constitui, atualmente, uma de suas maiores fontes de renda. Com o fim da URSS, acaba também a Guerra Fria e o embargo econômico, embora ainda vigore, não tem mais a força de seus primeiros anos, o que permite a Fidel Castro firmar novas parcerias, em especial, com a França e o Japão.
O fim da URSS e das alianças
Apesar de estar se desgastando visivelmente, Cuba insiste em manter o regime socialista. Em 2008, com sua saúde deteriorada, Fidel Castro renunciou aos 82 anos, depois de 49 anos no poder, em nome de seu irmão, Raul Castro, de 77 anos. Ainda que todos os analistas reconheçam a improbabilidade da manutenção do regime cubano após a morte de Fidel, é também inegável a importância política de Castro para a história contemporânea. Não é à toa que, apesar de jamais ter realizado as eleições presidenciais livres que prometera ao assumir o poder, Fidel provocou defesas apaixonadas e ataques impiedosos entre o povo cubano e se tornou o símbolo de luta e vitória da nova esquerda latina, representada por nomes como Evo Morales, da Bolívia, e Hugo Chávez, da Venezuela. Sua renúncia sinaliza os ventos da mudança na política latina e gera uma grande preocupação num momento em que os olhos do mundo estão atentos a esta pequena ilha do Caribe.Considerado mais pragmático e aberto a mudanças, Raul Castro vem promovendo algumas reformas econômicas, como a permissão para que cubanos possam exercer cerca de 200 profissões de forma autônoma, ou seja, usufruindo dos ganhos diretos da atividade, desde que não se tornem empresários. Também por iniciativa de Raul Castro foi abolido o sistema de duas moedas, o peso cubano e o conversível, este atrelado ao dólar. A internet foi liberada, mas o acesso ainda é ruim e caro e os cubanos já podem viajar ao exterior.
Ainda sob o embargo econômico dos Estados Unidos, Cuba tem se aproximado da China. Seja como for, a história cubana provou a inutilidade de fazermos suposições. Cuba aboliu a escravidão quando quase nenhum outro país era escravocrata, foi o último país latino a se independer da Espanha e um dos primeiros a se aliar aos Estados Unidos, depois disso, foi o único a adotar o socialismo e manter uma revolução vitoriosa no poder por quase meio século. A ilha é imprevisível.